Raphael Bordalo Pinheiro e a Maçonaria
Por: Henrique Tigo
Em pleno século XXI, a Maçonaria provoca ainda reações
adversas, proliferando sobre ela milhares de lendas e histórias erróneas.
A Maçonaria tem, desde sempre, acolhido homens de todas
as convicções políticas e religiosas. Para que um profano (i.e. um não
iniciado) se tornar um maçom, é exigida a crença na existência no Grande
Arquiteto do Universo (GADU) e na imortalidade da alma, sendo dentro desta
construção moral que a Maçonaria trabalha. Pretende, assim, tornar homens bons
em homens ainda melhores, construindo dentro de cada Irmão um templo de
virtudes e realizações éticas.
Pese embora os propósitos da Maçonaria sejam questionados
essencialmente pelos desinformados, as portas dos seus templos estarão sempre abertas para
dar as boas-vindas a todos os homens livres e de bons costumes, não obstante a
religião que professarem (i.e. cristãos, judeus, muçulmanos, budistas ou
quaisquer outros).
Não é, pois, de estranhar que a lista de “ilustres” que
eram ou são Pedreiros- Livres seja enorme. Provavelmente, até aqueles que dizem
ter sérias reservas sobre a Maçonaria reverenciarão alguém que poderá muito bem
ter sido iniciado nos seus mistérios.
Reis, clérigos, músicos, artistas, cientistas, escritores,
médicos... a lista de notáveis Maçons é infindável. Entre os seus grandes
vultos encontramos, por exemplo, Afonso Costa, Alexandre Herculano, Alfred Keil, Almeida Garrett, António Augusto
de Aguiar, António José de Almeida, Bissaia
Bareto, Bocage, Camilo Castelo
Branco, Carlos Mardel, Castilho, o Duque de Loulé, o Duque de Saldanha, Eça de Queiroz, Egas Moniz, Elias
Garcia, o rei D. Fernando II, Gago
Coutinho, Gomes Freire de Andrade, Henrique Lopes de Mendonça, Miguel
Bombarda, Norton de Matos, A. H. de
Oliveira Marques, o rei D. Pedro IV, Raul Solnado, Raul Rego, Ribeiro Sanches, Teófilo Carvalho dos
Santos, Viana da Mota, entre muitos e
muitos outros. Se pretendêssemos enunciar todos os mais ilustres Maçons
de Portugal, muito possivelmente necessitaríamos de um livro dedicado à sua
enumeração.
CertIficado
de Iniciação no GOL de RBP 1
Nessa listagem também encontramos, sem que tal seja razão
de grande surpresa, o nome de Raphael Bordalo Pinheiro.
Acérrimo defensor da liberdade de expressão (tão
importante nos seus trabalhos), encontra da Maçonaria o reflexo perfeito desse
seu grande ideal. Com 29 anos, abraça os ideais da Maçonaria e é iniciado em
1875 na Loja Restauração de Lisboa. Segundo uma antiga tradição maçónica,
Raphael Bordalo Pinheiro adota um nome simbólico, tendo escolhido o nome de
“Goya”. Fiel a si
mesmo, Raphael escolheu como mentor iniciático o pintor espanhol Goya, esse
artista espantoso em cuja obra se combinam as notações grotescas, as visões de
pesadelo, o escarninho dos rostos e as denúncias da crueldade.
“A Maçonaria é uma Ordem
iniciática e ritualística, universal e fraterna, filosófica e progressista,
baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objetivo o
desenvolvimento espiritual do homem com vista á edificação de uma sociedade
mais livre, justa e igualitária”.
Ao entrar para a Maçonaria e,
portanto, enquanto Maçom, Raphael Bordalo
Pinheiro permitiu-se a possibilidade de se aperfeiçoar, de se instruir e de se autodisciplinar,
convivendo com pessoas que, pelas suas palavras e obras, revelaram-se exemplos
de vida e de pensamento. Raphael, Maçon, passou a ser um pedreiro-livre,
categorização que poderemos traduzir como livre-pensador.
É sabido que Raphael Bordalo Pinheiro foi iniciado
na arte real (expressão sinónima de Maçonaria) e foi apurado a que grau interno
à Maçonaria terá chegado. Concretamente,
no seu grau primário de aprendiz, sabemos que muito rapidamente se identificou com a pedra bruta, sinónimo de trabalho sobre si mesmo
por forma a transformar-se futuramente em cúbica, apta às exigências
construtivas. Transaccionalmente, seria o homem que se iria polindo através do
contacto com os seus irmãos por via de ensinamentos, em grande parte simbólicos.
Abordando agora (e muito sucintamente) a história da
Ordem Maçónica, é relevante dizer que a mesma é herdeira das associações de
artistas do Mundo Antigo, especialmente do Egipto, da Grécia e de Roma, e está
ligada cronologicamente às corporações de pedreiros da Idade Média (século
VIII). Existem mesmo indícios de que o chefe destas corporações
passou a designar-se em Inglaterra a partir de 1278 por mestre maçon, o mesmo
sucedendo em França com a construção da catedral de Notre-Dame (1283). É o
período histórico ao qual é inerente o grande apogeu da maçonaria operativa (ou
de operários-construtores).
Os segredos e
códigos dos Maçons assim como outros conhecimentos estão vedados a elementos estranhos aos seus trabalhos, pois a sua
divulgação com a entrada dos mesmos no conhecimento público implicaria a perda
de várias das suas prerrogativas. Por esse motivo, ainda hoje são transmitidos
secretamente nas lojas (local de reunião dos Maçons) pelos mestres aos
discípulos de reconhecida aptidão e honorabilidade, transmissão essa sempre
precedida de um juramento solene.
No mundo profano (não maçónico), a Maçonaria é, em parte,
interventiva através de instituições que têm "vida" própria. Em
Portugal, essas instituições ditas paramaçónicas existem na sociedade civil
desde do séc. XVIII, especializando-se em atividades sociais, de beneficência e
de cultura, instituições essas que Raphael Bordalo Pinheiro ele próprio
frequentava.
São exemplos destas instituições: a Academia das
Ciências, as “Escolas Livres” e A voz do Operário. As associações paramaçónicas também intervieram para
criar estruturas laicas na vida social, como a Associação Liberal Portuguesa
(1889) e a Associação do Registo Civil (1895). Temos ainda relatos de grupos de
combate à escravatura e à pena de morte fundados no século XIX com ampla
participação maçónica, assim como de alguns movimentos constituídos no século
XX para lutar contra a prostituição, o alcoolismo e o jogo.
Falando agora dos instrumentos dos "pedreiros",
estes têm inerentes sentidos simbólicos: o esquadro serve para regular as ações;
o compasso para dar o sentido dos limites; o avental, símbolo do trabalho,
indica a simplicidade dos costumes e a igualdade; as luvas brancas recordam ao
Maçon que nunca deve manchar as mãos com a iniquidade; e a Bíblia tem por
finalidade última regular ou governar a fé.
Exemplo de Avental de 1875 2
A finalidade da Maçonaria, à luz da sua
Constituição, é a construção de um templo de fraternidade universal baseado na
sabedoria, na força, na beleza, na prática da tolerância religiosa, moral e
política, na luta contra todo o tipo de fanatismo e no exercício da liberdade. Essa constituição é conhecida por Constituição de Anderson, a qual regula os Francos-Maçons desde
1723 e é considerada como sendo o principal documento e a base legal da
Maçonaria Universal, que aos poucos foi substituindo os preceitos tradicionais
que até então regulavam as atividades da Maçonaria Operativa.
Assim, os
instrumentos simbólicos que são atribuídos ao aprendiz maçon para o seu
aperfeiçoamento são o martelo e o escopro, próprios ao desbaste da pedra bruta
já referenciada. Já os companheiros, grau imediatamente seguinte ao de aprendiz,
requerem instrumentos de maior precisão, nomeadamente o esquadro, o nível, a
perpendicular, a alavanca e a régua. Estes ascenderão, eventualmente e por fim,
à condição de mestres. Atingido esse grau, que poderá demorar anos a obter, o Maçon
está em condições de ajudar novos obreiros no seu percurso iniciático.
Os maçons reconhecem-se entre si como irmãos,
identificando-se com toques, sinais e palavras, permitindo dessa forma e em
qualquer sítio saber se alguém foi iniciado como Maçon. Raphael,
indubitavelmente, era reconhecido e reconheceria Maçons desta forma,
mundialmente.
A Maçonaria é universal por extensão de seus iniciados. É
inclusiva dos bons costumes dentro da sociedade. Ela é provedora de uma
filosofia e de uma Fraternidade onde os “irmãos” podem se encontrar no mesmo
nível. Ela une todos os homens num laço místico de fraternidade sincera, amor
mútuo, fé e trabalho, estando unidos em todos os lugares como construtores que
trabalham pela paz e pela harmonia. Dessa forma, não é de estranhar que grande
parte dos amigos de Raphael Bordalo Pinheiro, assim como os seus colaboradores
e apoiantes, fossem igualmente Maçons.
Encontramos isso mesmo num texto de Magalhães Lima (foi
durante largos anos Grão-mestre do G:.O:.L:.) que nós diz:
“O Seculo, folha republicana, que tenho
a honra de redigir desde o seu primeiro numero, apreciando não ha muito ainda,
a poderosissima organisação de Raphael Bordallo Pinheiro, escrevia o seguinte:
Assim como
na banalidade politica portugueza ha a figura grotesca e occa de Arrobas, o
tigre, no jornalismo peninsular ha a figura eminentemente viva, original e
scintillante de Bordallo Pinheiro, um artista, que vale um exercito, um
propagandista que vale uma revolução.
Bordallo
Pinheiro é para a sociedade portugueza contemporanea o que Tacito foi para o
imperio romano, quer dizer, o seu chronista mais justo e mais indignado. Ha no
poderoso temperamento d'este extraordinario artista a nota alta e vibrante, que
faz lembrar as coleras de Danton e a eloquencia de Verginaud. É assombroso e é
unico.
Cada
caricatura d'este artista é um grito de revolta contra a conspiração secular do
espirito monarchico-fradesco, que fez de Portugal esta nação molle e
incaracteristica, sem vida e sem alma, que ahi anda a matroca no grande mar da
civilisação europeia, sem rumo e sem individualidade. Bordallo Pinheiro
vinga-nos de toda esta espantosa decadencia, demonstrando quotidianamente,
pelas scintillações do seu genio artistico, o que póde ser para a elevação da
alma d'um povo um espirito vigoroso e fecundo.
Bordallo
Pinheiro é como artista um revolucionario e como revolucionario um creador.
Com a
transcripção d'estas linhas, quero de antemão significar aos que me lerem que
não é meu intuito desenhar aqui o perfil litterario de Bordallo Pinheiro, mas
unicamente critical-o sob o ponto de vista revolucionario e demolidor. Será
essa a minha missão como homem politico que sou, e é esse tambem, em meu juizo,
o alvo a que certamente mira a Galeria
Republicana: - aproveitar das biographados tudo quanto elles teem
produzido de util e de salutar em favor do idéal moderno, isto é, em favor da
justiça e da democracia.
Bordallo
Pinheiro é, acima de tudo, um republicano. As suas obras são justamente
collossaes, pela verdade que encerram e pelo ideal que as inspira. Podia
Bordallo Pinheiro ser um sectario ferrenho do monarchismo ou do clericalismo;
os seus trabalhos haviam porém, de resentir-se naturalmente de uma falsa noção
de arte, como falsa e mentirosa é tambem a doutrina monarchica e clerical; o
seu genio amorteceria irremessivelmente, e a sua faculdade inventiva
estiolaria, sem duvida, á mingoa de seiva e de vibração cerebral.
Considerando-o
assim, o nosso intento é evidentemente prestar homenagem decidida e sincera ao
primeiro demolidor portuguez e ao mais ardente e terrivel propagandista dos
principios democraticos entre nós. Insistamos na phrase acima transcripta,
porque nunca se perde em insistir na verdade: "Bordallo Pinheiro é como
artista um revolucionario e como revolucionario um creador".
Data do Calcanhar de Achilles a celebridade
de Bordallo, como o unico e já agora o inimitavel creador da caricatura em
Portugal. Na sociedade portugueza o seu logar é perfeitamente correspondente
aos occupados no estrangeiro por Cham, por Gill, por Ortega, por Henry Monier,
por Cruiskshand. Em abono da verdade, seja-nos porém licito notar, que,
relativamente ao meio em que vive e á escassez de elementos estheticos, que o
rodeiam, Bordallo é superior a qualquer dos supramencionados artistas, não só
pela delicadeza do traço como pela exactidão dos desenhos, não só pela
concepção, perfeitamente genial, que preside a todas as suas obras
arrojadissimas, como pelo ideal de justiça e de verdade, que, em tudo e por
tudo, transparece nos seus trabalhos monumentaes.
«Depois de
alguns mezes de correria artisticas por terras de Hespanha - refere
conceituosamente o seu inseparavel e unico companheiro, Guilherme de Azevedo -
adormecendo ao som das malagueñas e accordando ao ruido das fusiladas, Bordallo
Pinheiro volta a Lisboa e desenha então a Lanterna Mágica em que as suas supremas qualidades de
caricaturista se accentuam definitivamente.
Da mesma
forma que Henry Monier creára em França, dando-lhe formas lineares, sensiveis,
o typo de Joseph Prudhomme, a encarnação do espirito constitucional e burguez
de França, Raphael Bordallo cría na Lanterna
Mágica, o Zé-Povinho, a
representação symbolica da ingenuidade lôrpa da sua terra.
Isto é,
Bordallo Pinheiro, achára, como um supremo artista,a formula exacta, representativa
do estado social e politico de Portugal, da mesma fórma que Henry Monier,
achara a da França.»
Da
vastissima galeria de typos, creados e illuminados pelo lapis scintillante e
sempre fecundo de Bordallo Pinheiro, é seguramente Zé-Povinho, um ingenuo, um eterno explorado pela corrupção
monarchica e clerical do nosso tempo, o typo mais completo e mais bem acabado. Zé-Povinho, na sua encarnação lôrpa e
boçal, não é apenas uma figura qualquer, feita para despertar o riso e a
gargalhada das multidões. Longe d'isso, elle por si personifica uma sociedade
aviltada pela oppressão dos grandes e dos poderosos em que o abuso é lei, a
immoralidade norma de vida, e a ignorancia e a miseria o unico fim dos
governos, que ha perto de sessenta annos nos teem espoliado e escravisado em
proveito proprio, quando não nos espoliam e escravisam em proveito da curia
romana ou do estrangeiro.
Bordallo
Pinheiro, creando este admiravel typo, fazendo girar todos os acontecimentos
nacionaes em redor d'um personagem, tão profundo de verdade como generoso e
grande nas intenções e no espirito, provocou por si a anarchia no existente e
proclamou bisarramente o realismo na arte e a dignidade na politica.
E' por isso
que o Antonio Maria e o Album das Glorias, são hoje das
publicações mais notaveis do mundo - precisamente porque representam uma obra
justa, uma obra verdadeira, uma obra humanitaria, uma obra de emancipação
politica e social. E por isso é tambem, que o povo - a grande massa productora
e trabalhadora por excellencia - consagra a Bordallo Pinheiro a mais viva
sympathia e o mais desinteressado enthusiasmo - precisamente porque elle é
apostolo sincero de uma causa santa, e porque é o campeão audacioso dos seus
direitos ultrajados e das suas liberdades escarnecidas. Mais tarde, quando a
historia, no seu juizo recto e inflexivel, tomar conta d'esta época, ha de
apurar em Raphael Bordallo Pinheiro uma consciencia altiva, um espirito
soberano, que soube comprehender, identificando-se com elles, o ideal dos que
soffrem e a aspiração dos que anceiam por um reinado de luz e de bem-estar
social. E nem mais é preciso para a immortalidade de um artista ante a historia
e ante a consciencia humana! Bordallo Pinheiro conseguiu já o que a poucos tem
sido dado conseguir em vida - o ser um immortal perante as gerações presentes e
futuras!...
A caricatura
no desenho, como a ironia na litteratura, como a opera comica no theatro é
perfeitamente do nosso meio e do nosso tempo. Raphael Bordallo é, sobretudo, um
artista de uma actualidade palpitante; vivo; rapido; originalissimo na
conversação, amando por egual o imprevisto e o extraordinario, de uma dedicação
unica, como amigo e como companheiro. E' um intransigente, que procura
satisfazer á sua consciencia, pondo invariavelmente de parte os seus interesses
e as suas conveniencias pessoaes. Foi por isso que no Brazil não fez fortuna, e
é por isso que em parte alguma do mundo logrará fazel-a, estou convencido.
Impressionavel
por temperamento, como todo o artista, ha n'elle todavia um traço que o
caracterisa salientemente - a comprehensão nitida dos seus deveres, como homem
e como revolucionario. Para Bordallo, assim como para nós outros, os
republicanos, ha principios que se defendem e injustiças que se combatem. E
n'este sentido, por tal fórma elle tem preenchido a sua missão na sociedade
portugueza que conseguiu já ser um homem temido e perigosissimo, o maximo a que
se póde aspirar n'um paiz, bestialisado pelo fanatismo religioso e nunca assás
explorado pelos comilões do orçamento monarchico...
Muito ao correr
da penna ahi fica um dos traços physionomicos d'este grande revolucionario,
d'este eminente artista, tal qual o phantasiámos na nossa humildade politica.
Não nos pertence a nós certamente o encaral-o por outro lado diverso do que
aquelle por que o fizemos n'esta ligeira apresentação. Escriptores abalisados
se teem ocupado d'elle com respeitosa admiração. O seu nome é hoje universal.
Não pertence a este ou áquelle povo. Pertence á historia de todos os povos. O
que d'elle se tem escripto é nada, relativamente ao que do seu extraordinario
trabalho está ainda por escrever.
No dia 13 do
corrente faz tres annos que o Antonio
Maria, o valente soldado da revolução portugueza, sahiu pela primeira
vez á luz da publicidade. Cabe-nos d'este modo a honra de enviar d'aqui
d'envolta com a nossa saudade profundissima por Guilherme de Azevedo, um
chronista inimitavel e um amigo nunca esquecido, as nossas mais ardentes
felicitações ao nosso querido amigo, ao grande e benemerito artista Raphael
Bordallo Pinheiro. - Que elle as receba tão sinceras, como sincera é a
admiração que lhe consagramos.”
Raphael Bordalo Pinheiro é iniciado quando em Portugal se
vivem e se sentem os ventos de mudança. Os republicanos conspiram para derrubar
a monarquia e grande parte desses conspiradores são maçons ou membros da
carbonária (Primos dos Maçons, em jargão histórico-maçónico). Assim, dentro da
sua Loja Maçónica são abordados temas importantes como o percurso
filosófico e político de Portugal (e.g. a divulgação do Iluminismo, no século XVIII
para a construção republicana), mas também o religioso, literário ou artístico.
Encontramos referências a estes temas nas suas obras e desenhos da altura.
Logo após ter sido iniciado, foi chamado ao Brasil onde fez
uma vastidão de amigos, muitos deles igualmente maçons. Não é a isso estranho o
facto de que no Brasil a Maçonaria sempre teve muita força ... basta para tal
pensar que foi graças à Maçonaria que o Brasil se tornou independente.
Fora dos vultos
da boémia artística brasileira que Raphael Bordalo Pinheiro encontra, há um
pequeno reduto de rancor que se aperfilha entre os magnatas da Finança e da Política.
Raphael Bordalo Pinheiro presenteou as Terras do Brasil com as folhas O
Mosquito, Psit!!! e O
Besouro. O Zé Povinho, que tinha nascido no Verão de 1875, logo após ter
sido iniciado, foi com ele, aparecendo como cúmplice menor em crónicas
figuradas da realidade social do povo brasileiro.
Regressado
a Portugal, e como republicano assumido, deu asas à sua liberdade de pensamento
e de expressão através dos seus jornais, entre eles O António Maria
(primeira série, entre 1879 e 1885), Pontos nos ii (entre 1885 e 1891),
outra vez O António Maria (segunda série, entre 1891 e 1893) e
finalmente A Paródia (entre 1900 e 1905/06). Neles cinzelou pranchas
(nome simbólico que se atribui aos trabalhos dos Maçons) cheias de força e vigor,
regadas com riso e com o perfume da ironia, da sátira e da pesada denúncia do
burlesco. Foram elas as crónicas mais exaustiva que alguma vez surgiram em
Portugal. Todas elas chegam aos ouvidos da corte portuguesa e das mais altas
figuras do Estado, tais como o rei D. Luís, o rei D. Carlos I, os ministros Fontes
Pereira de Melo, Anselmo Braancamp, Rodrigues Sampaio, financeiros como Burnay,
escritores Ramalho, Eça, Junqueiro, Antero (todos maçons) e figuras típicas e
tantos, tantos mais.
Encontramos em algumas das suas obras uma sátira à igreja
católica, talvez porque a relação da Igreja Católica com a Maçonaria conheceu
sempre grandes períodos de tensão, sobretudo a partir do séc. XVIII, onde nas
décadas de 1720 a 1740 a Maçonaria penetrou em força em toda a Europa
assustando a Igreja e a força do Papa. Como é genericamente sabido, o Papa
Clemente XII, em 1738, promulgou a primeira bula de excomunhão de todos os
maçons, dando origem a uma longa serie de documentos papais a condenar todas as
Ordens Maçónicas, chegando mesmo a ordenar à Santa Inquisição que perseguisse
todos os pedreiros-livres.
Raphael Bordalo Pinheiro, na madrugada de 23 de Janeiro
de 1905 e devido a problemas de coração, parte para o Oriente Eterno (i.e.
falece) onde o G:.A:.D:.U:. o aguardava.
Raphael pode ter morrido no princípio do séc. XX, mas a atualidade
da sua obra faz com que seja intemporal. Foi um pedreiro-livre completo, realizando
o sonho de qualquer Maçon, pois conseguiu ser um desenhador e aguarelista,
ilustrador de obra vasta dispersa por largas dezenas de livros e publicações,
precursor do cartaz artístico em Portugal, decorador, caricaturista político e
social, jornalista, ceramista e professor ... enfim, um homem-livre e de bons
costumes.
Henrique Tigo
Biografia
ARNAULT.
António Introdução à maçonaria. 1.ª ed., 1996. 5.ª ed., Coimbra, Coimbra
Editora, 2006
FRANÇA.
José Augusto, Rafael Bordalo Pinheiro - o português tal e qual, Livraria
Bertrand, 1981
LIMA,
Jaime de Magalhães. Rafael Bordalo Pinheiro: moralizador político e social.
Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925.
DIAS,
Graça Silva; Os primórdios da maçonaria em Portugal. Lisboa: Instituto
Nacional de Investigação Científica, 1980, 2 volumes, 4 tomos
A.
H. Oliveira Marques, A Maçonaria
portuguesa e o Estado Novo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1983
M.
Borges Grainha, História da Maçonaria em Portugal,
Lisboa, 1912.